Em 1997 dei os primeiros passos na prática do Chi Kung. Era apresentado como exercício de aquecimento para as aulas de Tai Chi que frequentava.
Lembro-me que nos primeiros meses treinava a sequência de Tai Chi horas a fio. Tão intensamente que que acabei por lesionar o joelho pela repetição constante.
Um ano depois optei pelo Chi Kung porque me permitia treinar às 6 da manhã, no Inverno, no meu quarto, sem ter de sair de casa.
Desde então até aos dias de hoje tenho procurado manter a minha prática como o meu bem mais precioso.
Tem me acompanhado nas mudanças de casa, de actividade, de relacionamentos e em viagem, para onde quer que vá ou tenha estado.
Hoje, mais de duas décadas depois, considero que praticar Chi Kung me trouxe os efeitos mais imediatos e prometidos por esta arte relacionados com o bem estar, saúde e vitalidade mas trouxe outro efeito que nunca vi mencionado e qualquer escrito tradicional:
A capacidade de criar outros hábitos e manter-me fiel a este propósito.
Seja deixar um alimento ou introduzir um alimento novo na minha dieta, criar hábitos de sono ou de acordar, ou de manter de forma regular a minha escrita com o livro Regenerar, que editei em 2016 e que foi escrito em 9 meses.
O que tenho descoberto é que existem pontos em comum entre praticar com regularidade Zhan Zhuang Chi Kung e a criação de um qualquer outro hábito.
E quando o hábito falha ou derrapa, compreendo pela prática do Chi Kung como retomar ou mesmo fazer uma escolha consciente de abandonar esse projecto ou actividade sem qualquer ressentimento.
Criar e manter um hábito como tenho feito com o Chi Kung é muito semelhante a um relacionamento. Existem alturas de amor profundo e outras em que a distância, solidão e reflexão são os movimentos mais adequados.
Compilei alguns aspectos que tenho aplicado na minha prática e que têm resultado quer na criação de hábitos, quer em viragens que quero imprimir à minha vida e que incluem a criação de disciplina e foco.
Começar pequeno. É desejável quando começamos a estudar ter toda a bibliografia recomendada ou quando começamos a cozinhar ter todos os ingredientes necessários. Mas esperar que isso aconteça de um dia para o outro é irreal. Introduza um ingrediente saudável novo por semana nas refeições que cozinha e no final do ano estará a cozinhar de forma totalmente diferente do que cozinha hoje. Aprenda um ponto de acupunctura por dia e ao fim dos 365 dias conhece a totalidade dos pontos mais utilizados. Começar muito rápido e pelo mais desafiante aumenta o nível de dificuldade. Esse nível nem todos estamos preparados para suportar. O resultado é voltar muito facilmente ao zero desmotivados com a experiência.
Manter a regularidade. Embora eu refira neste blog o termo criar espaço e tempo para a prática, cientificamente pode ser traduzido por criar ligações neurológicas. Por cada vez que repetimos um hábito criamos ligações no nosso cérebro para essa função. Repetir algo que queremos fazer todos os dias é essencial até o hábito aderir. Mesmo que a prática num dos dias se resuma a 5 minutos no sofá com as mãos no abdómen a sentir a respiração. Por cada dia que não treinam quebramos ligações. Por cada dia que treinam solidificam as ligações existentes e o hábito fica mais forte.
Investir na preparação. Por exemplo, o hábito de escrever diariamente – para que isso aconteça é essencial ter tudo preparado de manhã para me sentar e imediatamente começar. Deixo o computador em *sleep mode* com processador de texto ligado e as janelas que necessito para investigar o que estou a escrever abertas. Assim que me sento a primeira acção é escrever. Se tiver de ligar o computador a primeira janela que abro é o email e muito facilmente sem dar por isso já passaram 30 minutos. Entretanto já respondi aos emails mais importantes e provavelmente já abri uma janela para seguir uma ligação que me enviaram. A energia que estava reservada para a escrita foi investida noutro sentido. Querem começar a ter pequenos almoços saudáveis? Deixem tudo preparado para quando chegam à cozinha no dia seguinte passarem directamente à acção. Querem começar a treinar? tenham o espaço de prática e os requisitos necessários preparados no dia anterior. Preparem para serem bem sucedidos. Como escreveu Lincoln: “Se me derem oito horas para cortar um árvore, seis são para afiar o machado”.
Praticar o que se gosta. Numa fase inicial deve-se praticar apenas os movimentos que gostamos até o gosto pela prática do Chi Kung se desenvolver. Este conceito também se aplica às mudanças de alimentação em que o importante é cozinhar pratos que sejam atractivos e saborosos. Sim, um dia à medida que a prática evolui haverá um contacto com movimentos ou posturas mais desafiantes ou alimentos menos populares. No entanto, é prematuro, contraproducente e desmotivador pensar nisso agora que está mesmo a começar.
Criar estratégias de recompensa. Cada vez que praticou, cada vez que conseguiu escrever 1000 palavras da tese que está a preparar ou caminhou 5000 passos recompense-se, celebre. Após o treino sempre que posso leio sobre algo relacionado com a prática. Nem que tenha de terminar cinco minutos mais cedo. Finalizo o treino e sento-me a ler um livro ou consulto uma página que aprofunde o que estive a treinar. Descobri que isso me trás uma sensação de calma. Um chá e um bom sofá são também algo que o corpo e a mente apreciam após a realização de um hábito. Pode criar recompensas maiores quando esse hábito se realiza ininterruptamente durante uma semana ou um mês. Que tal uma massagem, um jantar especial ou uma caminhada na natureza?
Encontrar um amigo para caminhar. Criar um hábito é de longe mais lúdico quando praticado em conjunto. Ter um amigo que todos os dias relatamos as nossas vitórias e vice versa é motivador. Ter alguém que nos pode acompanhar no hábito que estamos a tentar criar é também uma estratégia de motivação bastante poderosa. Correr ou frequentar um ginásio juntos, partilharem as 1000 palavras escritas nesse dia ou embarcarem na mesma dieta podem fazer a diferença para iniciar um hábito saudável ou para deixar um hábito debilitante.
Iniciar um hábito e nutri-lo durante um determinado período de tempo torna-se uma prática de auto conhecimento confrontadora. Aprendemos quando iniciamos um hábito que não somos tão pacientes, tão disciplinados, que falhamos e que somos humanos. Aprendemos também a criar o nosso espaço e o nosso tempo, a compreender melhor porque é tão fácil iniciar algo mas tão desafiante de nos mantermos fieis a esse propósito.
Aprendemos que não é uma questão de começar, mas sim de definir estratégias para saber voltar ao hábito as vezes que forem necessárias e cada vez que o fazemos desenvolvemos resiliência e criatividade para podermos iniciar com a mesma motivação que começamos.
Praticar Chi Kung ou qualquer arte que implica regularidade e consistência é apenas a ponta do icebergue, com o tempo, consistência e com a profundidade é comum encontrar muito para além do que podemos antever – quando damos o primeiro passo nesta jornada.
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O curso on-line gratuito de Introdução ao Chi Kung estará aberto durante esta semana
Fecha sexta feira dia 29 de Junho para reabrir no outono.
Ainda pode inscrever-se, seguindo esta ligação.
Boas práticas.
olá lourenço
o título é mt adequado e sou grata por partilhares a tua experiência e aprendizagem
gostaria de perguntar pf qual foi e tem sido o teu motor de arranque, a tua motivação, a base da tua disciplina?
e achas q o teu gd adjuvante é a prática do Zhan Zhuang Chi Kung ?
poderias pf enumerar pontos em comum entre praticar com regularidade Zhan Zhuang Chi Kung e a criação de um qualquer outro hábit?
grata
maria
Olá Maria,
Comecei praticar Chi Kung porque tinha questões de asma.
Mas depois dos sintomas da asma terem passado, o chi kung tornou-se uma prática que me permite tempo de qualidade no meu dia. Esse é o meu motor. Este tempo de qualidade ajuda-me a mim sem dúvida mas também os outros, pois estou mais descansado, atendo e receptivo do que se o treino não estiver presente nos meus dias com tanta qualidade.
Sem dúvida que o Zhan Zhuang é um prática que para mim tem essa função, no entanto todas as práticas tradicionais têm este “efeito secundário.” São práticas feitas para que Homem possa ter um presença mais atenta e curiosa em tudo que eu faz no seu dia a dia.
O facto de praticar Chi Kung todos os dias, quer faça sol ou chuva, quer esteja irritado ou bem disposto ensina que muito do que me aflige é um estado mental que está relacionado directamente com a postura e respiração. E que melhora quando se pratica – a chuva deixa de ser tão importante e o que nos preocupava ganha dimensões diferentes.
Qualquer habito pede uma mente equânime ou seja, que não julgue. Que decida que não pratica porque chove, ou que não lava a louça porque fica para amanhã, que não escreve hoje porque lhe dor a cabeça. A um certo nível quando temos um hábito somos profissionais – independentemente do nosso estado decidimos marcar uma presença no mundo.
Como o Cristiano Ronaldo no dia em que o pai faleceu – vestiu a camisola, foi jogar e até marcou um golo.
E são as centenas ou milhares de hesitações no dia a dia que nos fazem ficar cansados e enfraquecidos a longo prazo. Como se diz no zen “após a refeição lava a tua taça de arroz” – é o que tem que ser feito é o que há para fazer – por isso faz-se, por quê esperar ou adiar?
Este é um dos meus vídeos preferidos.
Que ilustra o que acabei de dizer.
Mais que isto só mesmo praticar 🙂
Boas práticas Maria.